Falar de infância e adolescência não é apenas falar de fases “naturais” da vida. Esses períodos, tão marcantes, são também construções sociais, que variam conforme a cultura, a história e os modos de viver em cada época. Hoje, mais do que nunca, precisamos revisitar essas ideias para compreender os desafios e transformações que crianças e adolescentes enfrentam.
A infância, como a entendemos hoje, não existia da mesma forma no passado. Foi a partir da Modernidade, com a escolarização, a redução da mortalidade infantil e novas formas de organização familiar, que surgiu a noção de infância como uma etapa distinta da vida. Até então, crianças participavam das atividades do mundo adulto sem grandes separações.
Com o tempo, passou-se a pensar a criança como alguém “em formação”, que precisava de cuidados, regras e de uma longa preparação até se tornar adulta.
No entanto, os estudos mais recentes têm mostrado que não existe uma única infância. Cada criança vive sua experiência atravessada por fatores como gênero, classe social, raça, religião, território e pelo próprio tempo histórico. Falar de infância, portanto, é falar de infâncias múltiplas, diversas e singulares.
A adolescência também se consolidou como uma fase própria, marcada por ambivalências: já não se é criança, mas ainda não se é adulto. Hoje, esse período tende a se estender: os jovens demoram mais a ingressar no mercado de trabalho, a conquistar autonomia financeira e a constituir família. Isso cria novas formas de convívio, nas quais o diálogo e a proximidade entre pais e filhos têm ganhado espaço, substituindo, em muitos casos, práticas autoritárias por relações mais horizontais.
Se antes se falava muito em “socialização”, como um processo em que o adulto ensina e a criança aprende, hoje reconhecemos que crianças e adolescentes também produzem cultura, opiniões e modos de ser. Eles não são apenas “inacabados” em preparação para a vida adulta, mas sujeitos que participam ativamente das transformações sociais.
Isso não significa ignorar a necessidade de cuidado e proteção, mas sim repensar a forma como olhamos para esses sujeitos. Ao invés de tratá-los como “menores” ou “futuros adultos”, é importante reconhecer a riqueza de sua presença no presente.
As mudanças na infância e na adolescência nos convidam a rever nossas práticas, tanto em casa quanto em contextos profissionais. Para os pais, isso implica equilibrar proteção e autonomia, limites e diálogo. Para os profissionais da do campo da infância e juventude, significa problematizar concepções rígidas de desenvolvimento, abrindo espaço para compreender as particularidades e singularidades de cada trajetória.
Se há algo que esses debates nos mostram é que a infância e a adolescência não são apenas etapas a serem “superadas”. São momentos de vida cheios de possibilidades, de criatividade e de novos começos.
Julia Torres
Referências de Leitura:
Ariès, P. (1981). História social da criança e da família (2ª ed.). Rio de Janeiro: LTC.
Salles, L. M. F. (2005). Infância e adolescência na sociedade contemporânea: Alguns apontamentos. Estudos de Psicologia (Campinas), 22(1), 33–41.
Hillesheim, B., & Guareschi, N. M. F. (2007). De que infância nos fala a psicologia do desenvolvimento? Algumas reflexões. Psicologia da Educação, 25, 75–92.